domingo, 20 de maio de 2012

Uma Europa em crise


Artigo Tribuna das Ilhas (18/05/2012)
No passado dia 9 de Maio celebrou-se uma vez mais o Dia da Europa. Um dos pilares da União Europeia (UE) é a solidariedade entre os Estados-Membros e entre os respetivos povos.
Recentemente dois países da UE foram a votos. Na França houve eleições presidenciais, tendo sido eleito o socialista François Hollande. Todos sabemos que a França assume um papel preponderante no figurino europeu e julgo que a eleição de Hollande será uma lufada de ar fresco para a tão pesada austeridade que se abateu sobre a Europa. Os tempos são difíceis, mas já todos perceberam que a austeridade cega e desenfreada não trará nada de proveitoso para a Europa, mas sim exatamente o contrário.
Acredito que a vitória de Hollande virá temperar a austeridade imposta pelo eixo franco-alemão, com medidas de crescimento económico que se revelarão primordiais para a saída da Europa desta crise profunda, que infelizmente já se arrasta há demasiado tempo. E até a Chanceler alemã Angela Merkel, já admitiu que o entendimento com o recém eleito presidente francês é essencial, tanto para os dois países em causa, como, obviamente, para toda a UE.
Por seu lado a própria Chanceler alemã sofreu também uma pesada derrota nas eleições regionais deste fim de semana, o que demonstra que as medidas de austeridade impostas começam a causar mazelas, até mesmo nos povos mais ricos, como são os alemães. O caminho tem de ser alterado...
Mas o que mais me preocupa no atual cenário europeu é a situação da Grécia. Com os resultados das últimas eleições legislativas o país ficou mergulhado, além da profunda crise económica que atravessa, numa muito debilitante crise política. O terrível flagelo da austeridade imposta aos Gregos é terreno fértil para partidos extremistas e radicais, sendo exemplo disso a eleição de 21 deputados neonazis para o parlamento grego! Um sinal de alarme que deve ser escutado nas instituições onde políticos parecem viver num mundo só seu, alheios à realidade.
Os resultados eleitorais foram dispersos, o que originou que o líder do partido vencedor, Nova Democracia, não conseguisse formar governo. Seguiu-se o segundo partido mais votado, a Coligação de Esquerda Radical, que se reputa contra as medidas da Troika aplicadas no País, mas este também não teve sucesso.
De seguida o PASOK, partido até então no poder, que passou nestas eleições para terceira força política, tentou gerar consenso e constituir governo. Desde então gerou-se um impasse. Chegou a ouvir falar-se em consenso, mas afinal parece que o cenário mais provável será o de marcação de novas eleições, que se realizarão no próximo mês de Junho.

A Grécia está à beira da bancarrota, só havendo dinheiro para salários até ao início do próximo mês, e se não for transferida mais uma tranche da ajuda externa, o país será incapaz de cumprir as medidas impostas pelo acordo de resgate, o que põe em cima da mesa a questão da sua permanência na zona euro.

A situação é deveras inquietante. O risco de contágio a outros países, designadamente ao nosso, é real. Os mercados sentem-se pressionados, com as principais bolsas europeias em queda.
Contudo, não se pode, como pretendem alguns, augurar um triste final para a UE. Os princípios de solidariedade e de igualdade entre os Estados, que estiveram na génese da criação da mesma têm de vingar. Num cenário de saída da Grécia da zona euro, Portugal terá de mostrar às instâncias europeias que essa questão não se coloca no nosso país. Mas isso não poderá ser feito à custa de acenarmos positivamente a todas as medidas de austeridade, sem ai nem oi. Aplicando mais austeridade do que aquela que nos é imposta! O caminho não é esse, até porque os resultados previstos para este ano, segundo os recentes dados revelados por Bruxelas, são mais recessão e mais desemprego do que previa o Governo e o não cumprimento da meta do défice acordada. Um ano de austeridade sem precedentes, liquidou a nossa economia e colocou os juros da dívida idênticos aos valores que tínhamos dias antes do pedido de ajuda externa!
A situação da Grécia deve ser encarada como uma chamada de atenção: está mais do que na altura do Governo Português, e obviamente da poderosa Alemanha, perceberem que as medidas de austeridade têm necessariamente de ser temperadas com um plano paralelo de crescimento económico. O futuro da Europa depende disso.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sacudir a água do capote


(Artigo Tribuna das Ilhas - 04/05/2012)
A autonomia regional é consequência do 25 de Abril. Na sequência da Revolução dos Cravos, Portugal entra finalmente num regime democrático e é aprovada a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Os povos insulares, designadamente os Açorianos, há muito que almejavam a autonomia e finalmente ela foi consagrada em 1976 na CRP. Hoje podemos dizer que as autonomias regionais fazem a República Portuguesa mais completa e são um exemplo do que se pretende com o regime democrático.
Os objetivos da autonomia regional são a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, mas também o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
A autonomia regional é política, legislativa, administrativa, financeira e patrimonial, mas deve ser exercida numa lógica de solidariedade. Existem matérias importantes na Região cuja responsabilidade pertence à República. E obviamente tem de ser assim. Cabe aos órgãos da república assegurarem, sempre em cooperação com os órgãos de governo próprio, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, a correção das desigualdades derivadas da insularidade. Estas competências estão consagradas constitucionalmente.
No entanto, podemos ver hoje, que este poder instalado na República, tudo faz para sacudir a água do capote quando toca às suas responsabilidades perante as autonomias.
São variados os exemplos de tentativa de fuga às responsabilidades por parte do governo de Passos Coelho: são os aeroportos, as obrigações de serviço público, a RTP-Açores, a Universidade dos Açores ou as recentes declarações do Ministro da Economia, que veio sustentar ser da competência da Região Autónoma dos Açores suportar os custos da formação dos efetivos da PSP no arquipélago. Está em marcha uma estratégia que não olha a meios, e até quer descriminar os doentes Açorianos que são deslocados para o continente, por não terem alternativa na sua Região, como se fossem Portugueses de segunda.
Cada um tem de assumir as suas responsabilidades. O que cabe aos órgãos de governo próprio é sua função. O que cabe aos órgãos da República tem de ser assumido por estes! Os Açorianos não podem deixar que lhes deitem areia para os olhos. Ao Governo neo-liberal de Passos Coelho já não basta ser mais troikista que a Troika, quer ainda fazer impender sobre os Açorianos responsabilidades que são, por lei, suas!
Na semana seguinte a comemorarmos mais uma vez o Dia da Liberdade, que tanta celeuma levantou este ano, com os Capitães de Abril e, em solidariedade com eles, também, grandes nomes da nossa história política a se recusarem a participar nas cerimónias oficiais de celebração, penso que os valores do 25 de Abril têm de ser, mais que nunca, preservados e defendidos.
O povo não pode baixar a cabeça a tudo, os Açorianos devem ter consciência de quem os realmente defende. De quem no passado já deu provas de colocar os Açores à frente de partidos, de quem não hesitou, um minuto que fosse, na defesa dos nossos direitos, mesmo que para isso tenha ido contra o que defendia o seu partido na República.
Na nossa Região há pessoas, que para defenderem o seu partido na República, que agora até está no poder, concordam com o líder em tudo, mesmo quando isso vai contra os Açorianos. Os Açores têm de estar sempre à frente de qualquer partidarismo. Porque acreditamos nos valores de Abril, mas principalmente porque acreditamos na autonomia regional e nos Açores, não vamos baixar os braços! Não podemos assistir calados a este vergonhoso sacudir de água...

Horta, 29 de abril de 2012