I. Se a crise económica e financeira já não era novidade, o país parece
estar agora a precipitar-se para mais uma crise, a política. Os mais recentes
sinais apontam nesse sentido. O facto de todas as metas fixadas pelo Governo da
República terem falhado e, as previsões para o futuro próximo serem cada vez
piores, é, só por si, um forte contributo para que tal aconteça.
Apesar de não termos ainda uma decisão formal, já se ouve falar que o
Tribunal Constitucional (TC) irá chumbar algumas normas do Orçamento de Estado,
o que fará com que o Governo tenha de lidar com um buraco financeiro com o qual
não está a contar, fazendo com que os objetivos fixados se tornem cada vez mais
difíceis de alcançar. No caso de se concretizar, o chumbo do TC será algo que
foi previsto por muitos e, que a seu tempo foi dito, mas para o qual o Governo
fez tábua rasa!Por outro lado, António José Seguro, anunciou que irá apresentar uma moção de censura ao Governo no decorrer das próximas semanas. É evidente o forte descontentamento social que se manifesta transversalmente por toda a sociedade Portuguesa. É evidente para a grande maioria dos Portugueses o afastamento total do Governo para com o seu Povo e a sua obsessão de manter este rumo custa o que custar. Na carta escrita à Troika, António Seguro foi claro ao referir que não quer que Portugal fuja às suas responsabilidades, ou seja não quer “rasgar” o acordo com a Troika mas sim renegociá-lo, conseguido melhores condições no plano de ajustamento de Portugal.
Para juntar a tudo isto vem o parceiro de coligação, CDS-PP, a público afirmar que o Governo necessita de uma urgente remodelação, opinião essa que é seguida pelas principais figuras do PSD, inclusive por vários conselheiros de Estado.
II. Umas palavras para a entrevista do responsável pela Troika, que
afirmou que estava surpreendido com os valores do desemprego em Portugal e que
são necessárias medidas de dinamização da economia. Surpreendido? Como pode
estar surpreendido com estes valores do desemprego se foi devido à
implementação das suas medidas que chegamos até aqui? Como pode estar
surpreendido se o objetivo passava pela redução dos rendimentos do trabalho (o
tal "empobrecimento") como
principal medida para reduzir os custos de produção, como
deu a entender o Primeiro Ministro (PM) quando referiu que, em vez de aumentar
o salário mínimo, o ideal seria até reduzi-lo. Uma ideia que foi posteriormente
confirmada por um dos conselheiros do PM, António Borges quando afirmou que "reduzir salários é uma urgência".
Das duas uma, ou pretendem atirar areia para os olhos dos mais distraídos,
disfarçando assim as suas reais intenções, ou demonstram uma manifesta falta de
capacidades para perceber o que qualquer aluno do primeiro ano de economia já
previa.
III. Não posso terminar este escrito sem uma palavra para a situação
vivida no Chipre por estes dias. Apesar de ter sido completamente posta de
parte pelo Parlamento Cipriota a primeira e macabra decisão que aplicava taxas
fosse qual fosse o valor dos depósitos dos seus cidadãos, a decisão de impor
uma taxa de 30% aos depósitos acima de 100.000€, continua a configurar um
roubo, mas não se fica por aqui, uma vez que descredibiliza todo o sistema
financeiro. Apesar de haver um aproveitamento da situação bancária que existia
no Chipre, sobretudo por parte de estrangeiros endinheirados, uma decisão tão
cega, só faz com que pague o justo pelo pecador. Imagine o leitor como se
sentirá uma família que, pagando os seus impostos, foi guardando as suas
poupanças ao longo da vida, e de um momento para o outro, vê literalmente ser
roubado 30% do total das suas poupanças!
Surgem as dúvidas: Será isto que espera Portugal? Podem os Europeus ter
confiança nos seus depósitos? Será este o início do fim da União monetária como
a conhecemos?
A situação só piora quando ouvimos o próprio Presidente do Eurogrupo
afirmar que a solução encontrada para Chipre “será modelo para situações idênticas”, o que causou obviamente o medo
nos depositantes de bancos europeus. Apesar de já ter vindo a público tentar
remediar o que tinha afirmado, o alarme já estava dado. Trata-se de mais um
exemplo duma classe política europeia que deixa muito a desejar em termos do
que se pretende para a União Europeia. Mais do que uma crise política nacional,
vivemos uma profunda crise política europeia.
Horta, 26 de março de 2013